A Garoto da Casa Verde XIII

Eu sabia que provavelmente através daqueles imensos portões de ferro, uma sensação parecida de assistir filme de terror, onde a vítima sempre entra naqueles corredores escuros, já sabendo que algo de ruim vai acontecer.
Era essa sensação que tive quando cheguei atrasada na primeira aula, e fiquei olhando para os altos portões antes de abrir.
Vai ser péssimo ter que aturar um dia inteiro de olhares, e perguntas sobre como eu estou, ou aqueles pêsames  , mas pior ainda quando zoarem sobre isso, vai ser como abrir uma ferida dentro de mim, mas eu engoli o meu orgulho, pelo meu pai e por mim mesma precisava ser forte e ter aquelas aulas.

Eu fui olhar os meus horários de aulas que ia ter naquele dia e a aula, que estava prestes a entrar era do professor de matemática, eu estava desconfiada daquele professor, ele era muito estranho comigo, mas na verdade todos desse colégio são estranhos para mim. E o Eduardo que eu via na sua casa, e o que conversei e me ajudou quando estava triste, não sei como ele conseguiu fazer isso com todos daquela escola, em cima  dele, para ser sincera.
Eu suspirei profundamente, fechei os meus olhos procurando a força que tinha dentro de mim, com as mãos suando frio, eu simplesmente bati na porta da sala.
O colégio por entender que eu tinha perdido o meu pai, tinha deixado eu faltar essas semanas para me recuperar e recebia um pouco das aulas pelo email e tentava estudar e acompanhar, mas eles não riam mandar mais que essas duas semanas, apesar de preferir e conseguir estudar pela internet, apesar de estar fragilizada.
O professor, veio sorrindo achando que provavelmente era o diretor, assim que me viu fechou a cara ficando séria, abriu a porta, e me guiou com a sua mão estendida para a cadeira mais próxima, sem dizer nada.
Os olhares, de todos da sala estavam para mim, eu sentia tremer a pele com as observações, eu não era surda, conseguia ouvir os comentários e os sussurros entre eles, achando que eu tinha ficado doente, que meu pai tinha morrido, alguns até maldosos, que meu pai estava embriagado e que deveria ter tomado cuidado, mas o único que estava quieto, e até piscou com gentileza para mim antes de me sentar foi ele, e assim que meus olhos cruzaram com os dele e seus amigos, olharam para ele junto a mim, ele ficou sério em um segundo e voltou a olhar para a sua carteira, como olhar para mim com gentileza fosse uma atitude que ele tomou muito errada. Então de um pequeno sorriso nascido dos meus lábios, a ficarem duros e se fecharem para poder sentar na cadeira e prestar atenção e tentar entender a matéria de função que estava sendo dada no quadro.

Eu estava sentada perto da cantina num canto com meu lanche e meu suco de laranja, com todos os olhares e conversar direcionadas para mim, mas para tirar toda a tensão que sentia, tentei desenhar um pouco, eu fiquei olhando para ele e o desenhava como se fosse dono do fogo, no meu desenho ele usava um tecido que cobria suas pernas e seu quadril, deixando sua barriga forte a mostra com duas bolas de fogo em suas mãos e aquele sorriso traveso em seus lábios que eu tanto gostava.
Mas para que eu fui desenhar, foi um grande erro, por que assim que eu sentia  uma lagrima nos olhos de saudade do meu pai, ao lembrá-lo fazendo churrasco em nossa casa, ele se senta ao meu lado, com todos nos olhando até mesmo como se esperassem que ele fizesse isso, ele abaixa os olhos sem eu ao menos perceber e olha para o meu desenho e quando fui retocar um traço torto de seus lábios, ele pega o caderno das minhas mãos. E naquele momento eu sinto minhas bochechas esquentarem e a ficarem vermelhas, eu tentei puxar o caderno de volta, não queria que ele visse afinal aquele caderno era como um segundo diário que eu tinha, todos os meus desenhos estavam esculpidos naquelas páginas até os das aulas de desenho que fiz e tive que largar por conta do meu pai e da falta de dinheiro que estava começando a aparecer com só o salário da minha mãe, estava tentando ajudar em casa também procurando emprego nas confeitarias e padarias que aceitassem uma menor, apesar da poupança que meu pai tinha deixando para mim, mas não tinha idade o suficiente para te-los ainda, só com os meus vinte e na faculdade poderia tirar e mesmo ter parado eu treinava em tudo o que via, em cada detalhe, na minima borboleta que posava no vidro do meu quarto.
 A cada folha que ele virava, olhando surpreso para os meus desenhos, mas exposta eu me sentia, era como se minha alma estivesse ficado nua diante dos seus olhos, todo o meu sentimento dos primeiros traços até aqueles, até os que fazia a seu respeito, estava sendo observados diante dos seus olhos, então para quebrar um pouco do gelo eu falei gaguejando e tremendo:
-Estão péssimos, não era para você ver, eu simplesmente amo desenhar não é nada importante.
Assim que ele terminou de olhar todos os desenhos rapidamente e demoradamente em outros, a expressão de surpresa em seus olhos, ele também estava vermelho de vergonha, por ser branquinho o vermelho ficava forte em suas bochechas, ele simplesmente disse quase gritando:
-Nada importante ?! É uma obra de arte Clara, seus desenhos são realmente muito bons, cada traço seu é preciso, claro e muito realista, deveria ter uma exposição de seus desenhos. Me sinto muito lisonjeado por ter sido retratado com tanta perfeição.
Ouvindo aquelas palavras de exclamação e diminuindo o volume a cada som, me fazendo abaixar a cabeça de vergonha, ele não podia estar falando a verdade, não parecia real ele estar vendo todos os meus desenhos.
Eu simplesmente levantei lentamente meus olhos e apenas disse:
-Não é nada Edu, você está exagerando muito.
Ele deu seu lindo sorriso, largando meu caderno na mesa a minha frente, pegando minhas mãos frias nas suas, que não paravam de tremer e seu toque quente e gentil, seus olhos doces me avaliaram e apenas disse:
-Clara, eu sei que você passou por muito esses dias pelo seu pai, mas gostaria de sair comigo? Conversar ? Nem que seja para para tomar um café?

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